O acolhimento familiar é uma medida de colocação contemplada na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo [LPCJP] (aprovada pela Lei 147/99) e consiste na atribuição da confiança da criança ou jovem a uma pessoa singular ou a uma família. Tal como todas as medidas previstas nesta lei, o acolhimento familiar é uma medida de caráter temporário, tendo por pressuposto o retorno da criança/jovem à sua família de origem.
No ano de 2012 estiveram integrad@s em famílias de acolhimento 419 crianças e jovens (fonte: Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens, 2012), correspondendo a apenas 4,9% do total das crianças e jovens que se encontram com medidas de colocação aplicadas.
Em 2008 Valle, Lopéz, Montserrat e Bravo desenvolveram uma investigação sobre o acolhimento familiar em Espanha tendo obtido resultados muito positivos. Estes investigadores consideraram primordial conhecer quais os indicadores estatísticos que contribuem para os resultados obtidos relativamente ao acolhimento familiar em Espanha e tiveram por objetivos compreender o perfil das crianças acolhidas e dos seus acolhedores, as caraterísticas que mais se destacaram das famílias de origem e outras questões derivadas do processo administrativo do acolhimento.
Apesar de a investigação ser bastante abrangente, neste artigo irei apenas refletir sobre três pontos: 1) a avaliação que as famílias acolhedoras têm da sua própria experiência enquanto tal; 2) a avaliação das crianças durante o acolhimento e, 3) a avaliação dos acolhedores relativamente ao processo e à sua própria experiência e uma compreensão dos dados obtidos e seus resultados.
AVALIAÇÃO POR PARTE DOS ACOLHEDORES:
Os investigadores quiseram aferir a perceção que os acolhedores têm da sua experiência enquanto tal. Os resultados mostraram que as principais motivações para estas famílias se tornarem acolhedoras são (por ordem de ocorrência): “ajudar a criança”, “a experiência de paternidade e maternidade”, “compromisso social”, entre outros com menor incidência. O facto de os acolhedores desejarem experienciar a parentalidade está intimamente relacionado com a posterior adopção da criança acolhida, pois foi esse o desfecho para um terço dos casos.* As famílias tomaram conhecimento desta medida de colocação através, essencialmente, de campanhas publicitárias e de amigos ou familiares.
* Em Portugal, quer a adoção quer o acolhimento (familiar ou institucional) estão plasmados na LPCJP como medidas de promoção e protecção da criança ou jovem; no entanto a adoção está definida como uma medida aplicada em meio natural de vida, enquanto que o acolhimento é uma medida de colocação (artigo 35.º). Assim, ao contrário da realidade espanhola, a adoção da criança/jovem pelos pais de acolhimento é legalmente inviável. Esta condição de que a família acolhedora não pode adotar a criança ou jovem acolhido está definida no Decreto-Lei n.º 11/2008 de 17 de Janeiro, no seu ponto 1, alínea e) do artigo 14º (requisitos de candidatura) que decreta que a família para candidatar-se ao acolhimento deve “não ser candidato à adoção”.
Outro aspeto avaliado neste estudo foram as visitas que as crianças acolhidas recebem dos seus familiares. Verificou-se que mais de metade tiveram-nas e que, dessa percentagem, a maioria teve o apoio dos acolhedores. Essa cooperação passou por levar as crianças ao local definido ou pela supervisão do encontro. A família acolhedora considera estes encontros – em quase metade dos casos – como sendo uma experiência negativa para a criança. Os sintomas que as crianças manifestavam que levaram os acolhedores a tais conclusões foram: nervosismo, alteração antes e depois das visitas, tristeza e abatimento. Mais de metade das famílias acolhedoras consideram ainda que a criança não desejava viver com a família de origem. Por outro lado, cerca de metade das famílias de origem foi concordante com a aplicação da medida de acolhimento familiar.
Este estudo avaliou também os motivos que levaram as famílias de acolhimento a solicitar apoio junto dos serviços de acolhimento. Esse apoio ocorreu em quase metade dos casos e teve como causas problemas comportamentais da criança acolhida, questões relacionadas com a família de origem, questões sobre a saúde física e psicológica da criança e outras com menor ocorrência.
AVALIAÇÃO DAS CRIANÇAS DURANTE O ACOLHIMENTO
Mais de metade das crianças e jovens – no período que antecedeu o acolhimento familiar – vivia em acolhimento institucional e cerca de um quarto da amostra residia com os seus pais biológicos. Cerca de 40% das crianças acolhidas apresentava, na altura do acolhimento, problemas comportamentais, psicológicos ou de desenvolvimento, enquanto um quarto tinha problemas de saúde importantes. Relativamente ao rendimento escolar das crianças, constatou-se que grande parte apresentava problemas a este nível, com alguma variância de gravidade.
Estes aspectos foram estudados durante e no final do acolhimento e a investigação avaliou a evolução da criança durante o acolhimento, avaliou quais as suas tendências de mudança. Constatou-se que ocorreu um maior nível de adaptação da criança nos aspetos de relação com ambos os acolhedores, bem como com os filhos destes. As mudanças mais positivas verificaram-se no contexto académico, na saúde física e no das relações sociais.
AVALIAÇÃO DOS ACOLHEDORES SOBRE O PROCESSO E A SUA EXPERIÊNCIA
De forma geral as famílias de acolhimento pontuaram negativamente os aspetos relacionados com questões financeiras e com a informação prestada sobre a criança acolhida. Em oposição, a avaliação foi positiva no que concerne ao processo de seleção e informação sobre o acolhimento. Outro aspecto avaliado foi o da sobrecarga sentida pelos acolhedores, onde os resultados demonstraram que esta foi muito baixa ou inexistente.
Foi ainda pedido aos acolhedores que partilhassem quais os aspectos mais fáceis e os mais difíceis da sua função. Foram referidos como os mais difíceis a despedida, seguido de problemas comportamentais da criança, bem como a relação com a família de origem. Como o mais gratificante neste processo, os acolhedores referiram ter sido “ver as crianças crescer e progredir”, o carinho das crianças e a convivência.
Pelo estudo apresentado pode-se considerar, de forma generalizada, que a realidade das famílias de acolhimento alheias é um sucesso em Espanha. Quer os acolhedores quer as crianças e jovens acolhidos sentem-se gratificados pessoalmente com esta medida.
Pelos acolhedores, o sentimento de satisfação com o processo (não em termos administrativos, mas em termos relacionais com a criança) é demonstrado de várias formas, nomeadamente pelos elevados índices de adoção das crianças acolhidas por estas famílias e também pelas alterações comportamentais e desenvolvimento da criança que, aquando o inicio do acolhimento era, em grande percentagem, baixo para o seu estádio de desenvolvimento mas, gradualmente a criança/jovem adquiriu competências em áreas chave do seu desenvolvimento, como são os relacionamentos sociais e a motivação escolar. Essas competências foram adquiridas por mérito da criança mas também por se sentir mais segura e estável; consequentemente teve capacidade e desejo em investir em si própria e de crescer.
Como já várias vezes partilhei e dei a entender, acredito que o acolhimento familiar é uma medida com bastante potencial e de grande valor pois permite ao menor uma vivência em meio familiar em vez de uma vivência de instituição que, por todas as suas limitações e caraterísticas, não permite essa relação tão próxima e íntima, uma relação de vinculação segura, fundamental ao desenvolvimento harmonioso e saudável da criança. Apesar disso, é uma medida bastante negligenciada no nosso país, em grande parte, a meu ver, por ausência de publicidade à mesma. Como foi provado na investigação que aqui apresentei, grande parte das famílias acolhedoras teve conhecimento desta realidade através de campanhas publicitárias que em Portugal são nulas, levando a que as bolsas de famílias de acolhimento sejam bastante reduzidas. Urge que as entidades competentes na matéria abordem esta questão – do potencial das campanhas publicitárias – com mais seriedade e consideração e invistam nesta metodologia tão eficaz não só na prevenção de maus tratos como de angariação de famílias acolhedoras.
(Algumas) entidades onde se pode obter mais informações e candidatar-se a família de acolhimento:
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
Mundos de vida (veja aqui a reportagem desta Instituição na TVI)
SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS
Investigação: El acogimiento familiar en España. Una evaluacion de resultados (2008)
Decreto-Lei n.º 11/2008 de 17 de Janeiro
Manual da Segurança Social para o Acolhimento Familiar
Artigo neste blog: Acolhimento Familiar | Crianças em Perigo