Foram hoje apresentados os dados de uma investigação desenvolvida pela Unidade de Informação de Investigação Criminal da Polícia Judiciária [PJ]: no ano de 2012 foram abertos 1800 inquéritos de abuso sexual de menores, o que representa uma média de quase 5 casos de abuso sexual de menores por dia. Os agressores são maioritariamente homens (94,8%), com idades entre os 31 e os 40 anos, sendo o abuso na grande parte dos casos intrafamiliar, ou seja, é vivido no seio familiar (44%). As vítimas são na maioria raparigas com idades compreendidas entre os 8 e os 12 anos.
Sobre este dado importa ressalvar que a literatura nesta área (abuso sexual de menores) efetivamente comprova que as vítimas são maioritariamente raparigas (e que é nas raparigas que se assiste a um abuso mais severo e violento, Goicoechea et al., 2001); porém alguns autores apontam que aos rapazes é-lhes apontado um papel de género diferente do das raparigas, e as experiências sexuais “precoces” possam ser encaradas como normativas em vez de abusivas. A par deste facto temos a questão de, sendo a maioria dos abusadores do género masculino, medos associados com a homossexualidade potenciam a inibição da denúncia destes abusos. Outro elemento que contribui para que estes números hoje divulgados sejam apenas uma parte do (grande) problema que é o abuso sexual de menores é o facto de as crianças pequenas – incluindo bebés de tenra idade – serem também vítimas deste crime porém, a sua imaturidade e incapacidade de compreenderem e articularem o abuso, potenciam o silêncio e a consequente não denúncia.
Sobre os números apresentados hoje, Armando Leandro – Presidente da Comissão Nacional de Crianças e Jovens em Risco – comenta que “poderá ter a ver com a sinalização cada vez maior e a sensibilidade da comunidade” e que a formação intensiva nas várias classes profissionais que lida com esta problemática é fundamental.
Várias investigações (incluindo a que eu própria desenvolvi no âmbito da tese de mestrado) comprova que @s docentes – classe profissional com maior taxa de denúncias de maus tratos infantis às Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (no ano de 2012 representaram 24,1%) – se sentem muito mal preparados na identificação de sinais e sintomas de maus tratos infantis em geral e de abuso sexual em particular. Este desconhecimento e insegurança sentida pel@s profissionais origina uma significativa sub-denúncia de casos de maus tratos infantis. Segundo Gilbert et al (2009), apenas entre 30 a 37% dos casos são denunciados aos serviços de proteção de menores. Assim, e indo ao encontro das palavras de Armando Leandro, urge desenvolver programas formativos adequados às várias classes profissionais das àreas sociais e humanas para que @s profissionais estejam devidamente preparados para detetar os casos de maus tratos infantis e, consequentemente, possam concretizar a denúncia.
Para finalizar, apresento alguns dados que a meu ver merecem alguma reflexão: a Organização Mundial de Saúde [OMS], (2006) estima que mundialmente 20% de mulheres e 5% de homens foram abusados sexualmente enquanto crianças, resultado similares foram igualmente obtidos em investigações desenvolvidas ao longo destes últimos anos. Em Portugal, no ano de 2012, foram sinalizadas às Comissões de Proteção de Crianças e Jovens 1.525 casos de abuso sexual (representando apenas 2,2% do total das sinalizações). Estes valores, se tomarmos em consideração os dados da OMS, são efetivamente bastante reduzidos. Assim, e como tenho vindo a defender já alguns anos urge incluir nos currículos do ensino superior a temática dos maus tratos infantis para que @s profissionais estejam capacitad@s para detetar os sinais/sintomas que a criança vítima de maus tratos emana. Sim, não são todas e nem todas se manifesta de uma forma óbvia, mas há sempre alguma pista a pairar… Compete-nos estar atent@s e agir, acima de tudo em DEFESA e PROTEÇÃO dos direitos das crianças.
Fonte: Jornal de Notícias, Diário de Notícias